terça-feira, 22 de novembro de 2011

Amigos de Duartina, uma cidade de amigos - por Jiro Takahashi

O mundo que eu vi quando, pela primeira vez, abri os olhos (não muito, como todos sempre perceberam) foi Duartina. Uma Duartina de 1947, pacata e acolhedora que talvez nem tivesse percebido que o mundo fora dela tinha passado por mais uma grande guerra. E lá mesmo, alguns anos depois, da estação de trem eu podia confirmar que o mundo era mesmo redondo. Quando chegavam, os trens apontavam bufando fazendo uma curva.

Dos jornais que desciam dos trens e do som dos rádios comecei a perceber que havia outros mundos — cheios de carros, correrias, faculdades, greves, asfalto, assaltos — além do mundo que cabia no Serviço de Alto-falante Continental, na voz de Gilberto Alonso.

A morte de meu pai e a busca de novas oportunidades me afastaram desse mundo dos amigos da infância e do ginásio, um mundo que carreguei sempre comigo. Carreguei o que pude dessas lembranças que serviram sempre de referência para quase tudo nesta vida.

No mundo fora de Duartina, quando entrei na Faculdade de Direito do Largo de S. Francisco, as provas de Português e Latim foram vitais para mim. Para quem tinha tido aulas com as professoras Nelyse e Marilda, vestibular era moleza perto das provas que tínhamos no Benedito Gebara. Quando fui fazer proficiência em Francês no mestrado da Usp e, ainda hoje, quando tenho de lidar com alguns agentes franceses no meu trabalho, ninguém sabe que o pouco de Francês que arranho foi todo ele aprendido apenas nas aulas da profa. Vanda. Só estudei Francês no ginásio em Duartina, há mais de 50 anos. Quando conheci um grande matemático americano, prof. Mlodinov, autor de grandes livros, também fiquei avaliando se ele era realmente tão bom como o prof. José Antônio Marissael ou a profa. René. Só fora de Duartina pude ver como aprendi com colegas e professores brilhantes.

No mundo fora de Duartina, quando via o Taffarel defendendo a seleção, ficava pensando se ele jogava tão bem como o Toninho, nosso goleiro do DFC. Quando ouvia Ringo Starr ou Netinho dos Incríveis tocar, eu me perguntava se eles seriam capazes de tocar tão bem uma caixinha de repique como o Paulinho Andreo. Quando vejo o Falcão fazer tantos gols no futsal, fico imaginando se marcaria tantos se enfrentasse um Leonel no gol. Quando visitava museus e exposições, vendo quadros de grandes artistas, sempre sentia que faltavam lá os quadros do Francisco Rojas. Desculpem os que não concordam, mas modéstia e nostalgia não combinam. Quando fui experimentar o famoso sanduíche de mortadela no Mercado Municipal de São Paulo — era realmente muito bom — mas me deu saudade da padaria da família do Shigueru. Só Duartina para ter uma padaria de uma família japonesa!

No mundo fora de Duartina, nunca consegui encontrar um estádio de futebol com o mesmo cheiro de eucalipto, um datilógrafo tão rápido como o Cabrini do Cartório, um sorvete tão gostoso como o da Sorveteria Mizumoto, pai do Camarão, doces (canudos, bombas, bananas) tão saborosos como os da família do Katim nem jabuticabas tão deliciosas como as do quintal de minha casa.

Enfim, fui sempre vivendo com amigos de Duartina servindo de referência de companheirismo, de talento, de inteligência, de coragem, de amizade nesse mundo fora dela. Enciclopedistas de lembranças, como o Nuno. Shigueru e o Fifo, precisam registrar o que guardaram para a memória permanecer viva. Em um livro, li que “a memória é a véspera da eternidade”.

Para finalizar estas lembranças que me vêm meio soltas, sem plano nem método, vou observando que, além de redondo, o mundo também se move e faz um círculo. Os amigos vão e vêm, ou talvez, nunca se foram. O mundo é que se move e tira a gente temporariamente do lugar. Depois traz de volta. A busca de mudança, de progresso me fez sair de Duartina. Agora, é o mesmo progresso — da internet — que ajudou a aproximar-me novamente dos velhos amigos e de Duartina. Não apenas de Duartina como cidade, mas de Duartina como um estado de alma, como uma comunidade de amigos (bebendo muita cerveja, claro). Por isso, posso dizer que Duartina pode não ser a capital na geografia de São Paulo, mas seguramente ela é a capital na geografia da nossa alma.

Jiro Takahashi

13 comentários:

  1. Jiro.... que precisão nas letras, que emoção na alma, que fidelidade de sentimento. Quem preserva doces memórias, nunca deixará de se deliciar com a alegria ao reviver ternas lembranças

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  2. Parabéns, Jiro, pelo belo texto e pelo niver.

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  3. adorei o texto. Quanta emoção traduzida em palavrea.....

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  4. Muito obrigado pelas palavras, meu caro ee stimado amigo Jiro, elas nos dão a alegria de viver, boas lembranças. Abraços fraternais.

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  5. Lindo.
    Suas palavras esclarecem o seu amor pela terra e seus amigos.
    Acredito que todos agradecem e em particular seu amigo Leonel.
    Abs

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  6. Jiro...acabei de tomar conhecimento da morte do grande Dhico Rojas...o grande artista...o grande pintor...o qual vc cita nesta bela crônica...
    Conheço Duartina a 32 anos e cheguei a conhecer algumas pessoas que vc. comenta e fala e lembra e te confesso cheguei a me emocionar...
    Fui eu que criou a nossa bandeira...a Bandeira de Duartina...tenho grande orgulho em hoje ser uma Duartinense Santista...casei-me aqui...e tenho 3 filhos, 1 é Duartinense!!!
    E para fazer uma homenagem ao grande artista Francisco Rojas procurei no Google pelo nome dele...e veio um pedaço do seu texto entre vários opções...não tinha conhecimento deste seu blog...adorei...é tudo de bom...obrigado...isto tem que ser divulgado!!!
    Um grande abraço...prazer em "conhece-lo"...pena que numa data tão triste para nós Duartinenses!!!!
    Fatinha.

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  7. Fatinha, duartinense, obrigado pelas palavras gentis. Fiquei em Duartina até o final de 1962, quando me formei no antigo ginásio. O paraninfo da nossa turma foi justamente o prof. Chico Rojas, muito jovem na época. Exatamente 50 anos neste ano, incrível o tempo. Então, você mora em Santos? Também morei aí entre 2006 e 2010, quando, por motivos profissionais, tive de voltar a São Paulo. Meu cunhado teve a imobiliária União por mais de 30 anos em Santos. Parabéns pela criação da bandeira, nosso orgulho também. Foi muito bom ter recebido seu contato amigo. Obrigado e abraços.

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  8. Belo texto, agradeço orgulhosamente os elogios merecidos do meu querido pai.

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  9. sou de duartina hoje moro em palmas t o sou luiz paulo noronha esses comentarios me emociona muito gos tari de poder publicar alguma coisa nesse saite

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  10. Sou Duartinense com muito orgulho. Hoje estou radicado na cidade de Barueri, mas é uma honra encontrar e ler um texto como esse que retrata fielmente o sentimento de todo duartinense que um dia por necessidade deixou sua terra natal....Parabéns Jiro!!! Formidável seu texto!!!

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  11. Sou o Carlinho Oncinha, hoje moro em Barueri, sou Duartinense com muito orgulho, e fiquei emocionado ao descobrir e ler este texto do Jiro com tanta paixão e nobreza pela nossa querida terra natal....Parabéns!!! As lembranças que ficaram registradas em nossa mente são eternas....

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  12. Caro Jiro, que honra para este duartinense radicado em Barueri, ler algo tão singelo e emocionante...Um grande abraço!!!

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